Juiz nega tratamento e Estimulação Magnética Transcraniana, fora do Rol da ANS, após análise de sua eficácia cientifica

Magistrada da comarca de Recife/PE proferiu sentença denegando o tratamento de Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) ao requerente, procedimento este fora do Rol de coberturas mínimas obrigatórias definido pela ANS (atual RN 465/2021), diante da recente legislação que obriga os magistrados a analisarem a eficácia científica dos procedimentos não previstos pela ANS, em caso de concessão do pedido.

Inicialmente, calha relembrar que a Lei nº. 9.961/2000 deixou claro que compete à ANS a elaboração do rol de procedimentos e eventos em saúde. A função primordial do Rol, por natureza, era taxar expressamente os procedimentos mínimos cobertos. Apesar de tal obviedade, se tornou comum aos magistrados atuarem como verdadeiros legisladores, violando a tripartição de poderes e suprimindo a atribuição legal da ANS, efetuando juízos morais e éticos para indicar o Rol como “meramente exemplificativo”, o que vem invalidando a própria necessidade da agência reguladora elaborar o próprio Rol.

Após décadas de desconsideração do papel da ANS, o Superior Tribunal de Justiça finalmente o considerou válido (EREsp 1.886.929/SP e o EREsp 1.889.704/SP), elaborando a conhecida corrente jurisprudencial que declarava que “a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol”. Na mesma decisão, o STJ traçou critérios para minimizar a tamanha subjetividade da análise dos magistrados aos procedimentos não constantes no Rol da ANS, declarando:

“Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que: (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da Medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva “ad causam” da ANS.”

Se tratando de entendimento de caráter não vinculante, entretanto, o Judiciário seguiu ignorando os critérios traçados pela Corte Superior, até que, finalmente, em 2022, sobreveio a edição da Lei nº 14.454 de 21/09/2022, inserindo na Lei n.º 9.656/98, em seu art. 10º, § 13, critérios a serem analisados para eventual deferimento de procedimentos não previstos pela ANS, quais sejam:

“I – exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou

II – existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.”

No caso concreto, a sentença prolatada pela magistrada da comarca de Recife/PE analisou os requisitos legais para autorização do procedimento fora do Rol de coberturas mínimas obrigatórias definido pela ANS (atual RN 465/2021), chamado de Estimulação Magnética Transcraniana (EMT), sob fundamento de que “nenhum estudo conseguiu estabelecer a relevância clínica desta eficácia na prática clínica”.

Para chegar a tal conclusão, a magistrada observou a reunião da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) com a ANS, abordando a revisão da Sistemática e Metanálise da Estimulação Magnética Transcraniana, onde foi apontada a ausência de estudos que demonstram a relevância clínica do tratamento.

A magistrada observou, ainda, que a ANS, “por meio de comitê específico, após a realização de estudos técnicos e pareceres de especialistas, debates que contemplou a participação de representantes da classe médica, dos consumidores e das operadoras de Plano de Saúde, entendeu-se o tratamento mediante Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) não deveria ser enquadrado como procedimento de cobertura obrigatória nos planos de referência fixados pela ANS”.

Em citação a precedente do Tribunal de Justiça de Pernambuco, nota- se menção à Parecer da COSAÚDE declarando que “as evidências apresentadas na revisão sistemática demonstram que apesar de ser melhor que o placebo em termos de diminuição do escore de Ramilton, o resultado não atingiu o benefício esperado pelos autores. Quando comparada a ECT, teve um menor benefício. Adicionalmente, o mecanismo de ação ainda não está estabelecido”.

A estratégia processual, seja para pleitear um procedimento fora do Rol de coberturas mínimas obrigatórias definido pela ANS, seja para corroborar com a negativa do mesmo, deve, portanto, passar pela análise casuística, i.e., caso a caso, dos novos requisitos do art. 10º, § 13, da Lei n.º 9.656/98, demonstrados através de pareceres técnicos e notas científicas, em especial àqueles apontados como de maior relevância (CONITEC, NATJUS e agências reguladoras internacionais), indicando haver pertinência ou não do referido procedimento para o respectivo quadro clínico do paciente. Esta é a mais recente mudança de paradigma das ações que versam sobre o Rol da ANS.

*Sobre a necessidade apuração casuística da eficácia científica, ver recente acórdão do REsp 2050424-SP, de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi.

Processo nº 0092105-56.2023.8.17.2001
Órgão Julgador: Seção B da 23ª Vara Cível da Capital

Átilas Leite é bacharel em Direito pela Universidade dos Guararapes em 2019. Advogado inscrito na OAB – Seccional Pernambuco sob o n° 53.286. Atuante do Contencioso Trabalhista no início da carreira, mas descobriu rapidamente sua aptidão no Direito Civil Securitário, área em que está atuante desde 2020. Hoje, é advogado especialista na área de Saúde Suplementar, comprovando eficiência na defesa dos interesses das Operadoras de Saúde.

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